sexta-feira, 22 de julho de 2011

“QUEM RESPONDE PELOS ABUSOS COMETIDOS PELA POLÍCIA FEDERAL”?

(Trechos emblemáticos extraídos da Tribunal Livre, no site da Federação Nacional dos Policiais Federais, em 21/7/2011, publicado por 

Josias Fernandes Alves, que  é Agente de Polícia Federal e Diretor de Comunicação da FENAPEF, formado em Jornalismo e Direito. Atualmente responde a dois processos disciplinares e um inquérito policial, em virtude de sua atividade sindical. É autor da monografia “Polícia Federal e a Mídia: direitos dos investigados em questão”, apresentada em 2006 à Academia Nacional de Polícia, cujo conteúdo integral pode ser acessado aqui. E-mail: josiasfernandes@hotmail.com.

(...)  Embora os dirigentes da PF informem que não há dados precisos sobre o número de ações judiciais, sabe-se que há dezenas de pedidos de condenação da União por danos morais feitos por pessoas investigadas, em virtude de erros e excessos cometidos pelos coordenadores das operações, no afã de atrair atenção da mídia.

O delegado Paulo Lacerda, nomeado para o cargo de diretor-geral da PF, em 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, em entrevista concedida em 2006, explicou que a decisão de mudar a relação com a mídia e promover o que chamou de “superexposição institucional” foi motivada pela imagem que os membros do novo governo petista tinham do órgão: de uma “caixa preta”. Em seu discurso de posse, o delegado Lacerda já anunciara como prioridade o combate à corrupção e sua intenção de apurar com rigor eventuais desvios dos servidores da própria corporação.

A nova metodologia da Polícia Federal, de fazer investigações mais completas e pedir a prisão de um grande número de pessoas, com a realização de sucessivas operações (geralmente batizadas com nomes de forte apelo midiático), foi inaugurada com a “Operação Sucuri”, deflagrada em Foz do Iguaçu/PR, em março de 2003. Apesar de o inquérito tramitar em segredo de justiça, a ação foi feita com estardalhaço, culminando na prisão de 44 pessoas, entre elas 22 policiais federais, acusados de facilitar o contrabando na fronteira.

À época, um delegado da própria PF, em artigo publicado no site da Federação Nacional dos Policiais Federais, afirmou que a Operação Sucuri teria atendido o objetivo de promoção pessoal do então chefe da Delegacia da PF em Foz do Iguaçu, o delegado Joaquim Mesquita, que seria conhecido pelo fato de ser “dado a produzir factóides para garantir espaço assíduo nos noticiários”. Hoje ele é superintendente regional da PF em Goiás. 

Quanto aos policiais investigados, vários ficaram afastados do serviço durante sete anos, por força de processos disciplinares. A maioria foi absolvida no âmbito administrativo, por falta de provas, e voltou ao serviço, no ano passado. Alguns estão aguardando o desfecho dos processos criminais para ingressar com ação judicial contra a União, por danos morais. (...)

Dezenas de operações, em todo o país, tornaram-se sucesso de público e de crítica e ganharam espaço privilegiado nos telejornais em horário nobre. A opinião pública vibrou com a divulgação de diálogos comprometedores, captados em interceptações telefônicas, ou com o desfile de presos algemados, escoltados por policiais fortemente armados e transportados nas viaturas ostensivas da PF. Principalmente quando os investigados eram políticos, altos funcionários públicos e empresários, cujo perfil – diferente da “clientela” habitual das notícias policiais - funcionava como atrativo adicional para mídia e público.

Com frequência, policiais federais empenhados na execução das operações – sempre cercadas de absoluto sigilo – eram surpreendidos com a presença de jornalistas nos locais de cumprimento de mandados de busca e prisão, cujos endereços só eram informados aos policiais poucas horas antes do cumprimento da missão. (...) 
 

Leis não faltam para disciplinar a matéria. A Constituição Federal prevê garantias para preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral por sua violação, assim como estabelece o princípio da presunção de inocência das pessoas. O próprio inquérito policial, nos termos do art. 20 do Código de Processo Penal, tem caráter sigiloso, cabendo à autoridade assegurar “o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. A restrição da divulgação dos fatos à imprensa visa não apenas a melhor elucidação do caso, mas também preservar os direitos relativos à personalidade dos envolvidos. A exposição de presos ao público, contra a sua vontade, também é expressamente vedada em outros dispositivos legais.

As diretrizes internas da política de comunicação social da PF, cuja atualização coincidiu com o período em que as ações do órgão passaram a ter maior projeção na mídia, também foram solenemente ignoradas pelos responsáveis pela maioria das operações. A Instrução Normativa nº 006/DG/DPF, de 26/8/2004, detalha várias condutas, que deveriam ser adotadas na divulgação das operações. Se observadas, certamente teriam evitado grande parte das ações judiciais. Dentre outras disposições, a IN recomenda se evitar a apresentação detalhada de documentos arrecadados ou apreendidos, que possam identificar pessoas envolvidas ou investigadas, bem como a exposição de presos, salvo quando estes expressamente autorizarem. Também proíbe a divulgação dos meios empregados na investigação policial.

A norma também prevê que a divulgação de informações, sempre que possível, deve ser feita pelo representante da comunicação social, designado pelo dirigente da unidade local. Contudo, na maioria das unidades da PF, os servidores indicados não têm qualquer formação ou treinamento específico na área ou acumulam as atividades do setor com outras funções. Na prática, a assessoria de comunicação na PF nas unidades descentralizadas é precária ou não funciona. O desinteresse dos gestores por área tão sensível para a imagem da instituição tem suas razões.

Permite que autoridades policiais usem e abusem de seus nomes e imagens para autopromoção pessoal, numa clara afronta às regras que disciplinam as ações de comunicação do Poder Executivo Federal, prevista em decreto. A exploração dos veículos de comunicação para “marketing” pessoal tem sido a regra de conduta (com raras exceções) de dirigentes do órgão e delegados que estão à frente dessas “grandes operações” ou de investigações de maior interesse da imprensa.

Quanto às condenações sofridas pela União por danos morais ou prejuízos nos gastos milionários de operações anuladas pela Justiça, não se tem notícia que os administradores da PF tenham tomado alguma providência para identificar os responsáveis pelos prejuízos ao erário ou que causaram danos a terceiros. Nestes casos, o art. 37 da Constituição Federal prevê o direito de regresso contra os que agiram com dolo ou culpa.

Os delegados das corregedorias da PF costumam ser rigorosos quando se trata de instaurar procedimentos disciplinares para responsabilizar, punir e promover a cobrança, por exemplo, de valores ínfimos (se comparados aos já citados) com reparos em viaturas oficiais, decorrentes de acidentes de trânsito, principalmente quando agentes e escrivães são os motoristas.

Em relação aos prejuízos mais vultosos, causados por abusos ou vedetismos de alguns, para responder à pergunta do título deste texto, a fatura fica por conta dos cofres da viúva, para usar a expressão do jornalista Elio Gaspari, numa referência ao dinheiro público.”

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