(Continuação)
3. Pacto federativo e controle externo do Judiciário.
O princípio federativo pressupõe a existência de Poderes independentes e harmônicos, não apenas entre os Estados federados, nas suas relações uns com os outros, mas, também, nas suas relações com a União, pois são a sua independência e harmonia os suportes do pacto federativo. A independência pressupõe a autonomia (funcional e administrativa), porque sem esta, o que existe é subordinação, que é a própria negação do Poder. Se os Poderes dos Estados-membros são independentes dos da União, definitivamente, não pode ter o respaldo da Constituição a vinculação de qualquer de seus Poderes, e, muito menos, o Judiciário, a qualquer órgão de controle externo, nos moldes europeus, integrado por membros de outros Poderes da União, ainda que instituído por emenda constitucional, incrustado no art. 92 da Constituição, e composto na sua maioria por juízes.
Se pudesse, aliás, uma emenda constitucional legitimar um super-órgão de controle externo, para fiscalizar e corrigir, nos Estados federados, o Poder Judiciário, poderia, por idênticas razões, pretender, por essa via, fiscalizar e corrigir os seus demais Poderes (Legislativo e Executivo), a pretexto, igualmente, de garantir a aplicação do art. 37 da Constituição Federal. E não é preciso ser constitucionalista, para concluir que, se assim fosse, ter-se-ia, por meio de emenda constitucional, "torpedeado" a Federação, e tornando letra morta os arts. 1º e 2º da Constituição.
Nenhum dos demais Poderes dos Estados-membros (Legislativo e Executivo) se moveu na defesa da autonomia administrativo-funcional do Judiciário - não falo de "privilégios", que são odiosos onde quer que se homiziem --, mas talvez no dia em que uma emenda constitucional instituir, também, um super-órgão, com perfil federal, para "garantir", nos Estados federados, a aplicação dos princípios inscritos no art. 37 da Constituição, estes se deem conta da gravidade do precedente e da sua omissão, que não poderia ter havido.
Qualquer afronta ao pacto federativo não é uma afronta apenas ao Poder Judiciário local, mas a todos os Estados-membros e seus demais Poderes, pelo que o seu silêncio agora pode fazê-los, mais tarde, percorrer o "Caminho de um exilado", que Raimundo Assis traduziu nestes versos:
Eles entraram no jardim e roubaram uma rosa.
Chegaram em silêncio, pisando macio.
Foram na calmaria da noite sem deixar pegadas.
E não vimos nada.
Agora eles entraram em nossas casas.
Enquanto dormíamos, comeram da nossa comida.
Enquanto sonhávamos, tomaram da nossa bebida.
E não vimos nada.
Até que um certo dia entraram em nossas vidas.
Roubaram nossos encantos, nossos sorrisos.
Aprisionaram nossos sonhos, nossas almas.
Arrancaram a visão dos nossos olhos.
Tomaram o som de nossas vozes.
E já não pudemos fazer nada.
Nesse dia, talvez, os representantes da classe de magistrados, de advogados e, especialmente, renomados constitucionalistas, que, em vez de defender a autonomia do Poder Judiciário, emprestaram a sua aquiescência a um controle externo, sem qualquer tradição com as nossas instituições, descaracterizando-o como Poder, se deem conta de que por "não terem visto nada", "já não poderão fazer nada".
(Continua na próxima semana).
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